Perdeu-se a “arte” do Consenso Político?

A democracia, pelo menos a uma democracia saudável, não existe sem consensos. Até porque, por definição, todas as partes estão (mais ou menos) representadas. E mesmo quando uma parte conquista uma maioria representativa absoluta (necessáriamente temporária, não esquecer), precisa de consensos para governar sem sobressaltos.

O consenso político é crucial para a estabilidade e eficácia governamental. Permite que as diferentes partes concordem em direções e decisões, promovendo a coesão social e a continuidade das políticas. O consenso também fortalece a confiança das pessoas nas instituições democráticas e facilita a implementação de mudanças significativas e necessárias (as chamadas “reformas”).

É verdade que nem sempre é fácil de alcançar um consenso, especialmente em questões complexas e polarizadas. Mas é importante continuar a trabalhar para ele, e não perder de vista a sua importância. Infelizmente, estou convencido que essa “arte” – de atingir consensos – deixou de existir (em Portugal, mas não só) há pelo menos duas décadas.

Recentemente, pus-me a pensar porquê, e algo me pareceu interessante, depois de ler “Crucial Conversations”.

Parece-me que a nossa sociedade está cada vez mais (e cada vez mais cedo) formatada para agir de uma forma que vai contra esse objectivo cimeiro de atingir consensos.

Desde a escola primária (ou até desde o jardim de infância) aprendemos que, embora ter a resposta certa seja bom, tê-la primeiro é ainda melhor. E, claro, tê-lo primeiro depois de outros darem uma resposta errada confere-nos uma glória ainda maior na sala de aula!

Com o tempo, descobrimos que encontrar o menor dos erros nos factos, no pensamento ou na lógica dos outros reforça o nosso lugar supremo sob os holofotes da admiração do professor, dos colegas, e (hoje mais do que nunca) dos nossos pais.

É assim que aprendemos a, antes de mais, apontar os erros dos outros. Estar certo às custas dos outros torna-se um desporto habilidoso e glorioso. Quando terminamos os estudos, temos um doutoramento virtual em detectar diferenças ou erros (por vezes triviais e irrelevantes) e transformá-los num grande problema, numa causa.

Assim sendo, quando outra pessoa oferece uma sugestão ou opinião, uma ideia ou uma opção, uma resposta ou uma solução, nós estamos imediatamente à procura de discordar. Não ouvimos, não processamos, não consideramos. Apenas queremos achar a forma mais fácil de dizer que eles estão errados, para logo de seguida demonstrar quão genial é a nossa ideia.

Mais do que isso. Por vezes o erro do nosso interlocutor, ou a diferença entre o que ele quer e o que nós queremos, é muito pequena. Mas tornamo-nos profissionais em transformar essa “migalha” num “banquete”, criando as grandes clivagens e indignações.

Gostava muito que aqueles que ocupam lugares políticos, eleitos ou não, pudessem reflectir um pouco sobre isto, tentar fazer melhor, evitar esse estímulo primitivo de discordar para ser melhor ou para vencer, e comprovar as vantagens de governar por consenso, ao invés do constante “combate” político cada vez mais extremado, contraproducente e perigoso.